quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Manhã em território alheio

E foi-se a sonolenta manhã de uma quarta-feira no Consulado dos EUA em São Paulo. Missão trivial, confirmação do visto de entrada, mas que exige algumas das habilidades que tenho desenvolvido nos últimos meses para qualquer lido burocrático – paciência e um tantote de malandragem.

Passam mais de três mil almas por ali todo santo dia. Todo mundo com a mesma ladainha, as conversas na fila – e são várias filas – são um porre. Depois de assinar, entregar, retirar, carimbar, pegar senha, o cão a quatro, dei ares virtuais à minha estadia na fila. Detesto filas, como todo mundo. Fui tomar um café e comecei a exercitar um dos meus passatempos preferidos – ver gente envergonhando gente.

Comecei bem. Da porta de saída da saleta onde revistam até as orelhas do pessoal, veio uma senhora, já de idade avançada, gritando “eu não peidei, não!”, para quem lá dentro havia ficado e, pelo meu decibelímetro pessoal, para qualquer um que estivesse num raio de 200 ou 300 metros. A tia deve ter premiado os agentes da segurança com uma bufa. E depois a japinha que tomou um safanão do pai dela, acho que era o pai, porque estava falando alto que “não queria ir praquela merda de país”, convenhamos que não é o lugar mais adequado para se fazer uma observação como essa. E também o cidadão que externou seu dilema pessoal ao pedir uma esfirra de escarola com palmito, quando as opções eram esfirra de escarola e esfirra de palmito. Optou pela primeira, que deve ser horrível, e o problema seria só dele, desde que não estivesse logo à minha frente na fila da cantina. Ah, as filas.

Minha senha para tocar piano era 2728. Faltava um bocado para chegar minha vez, por isso fui pra cantina, que era ali a coisa mais próxima de um boteco, um habitat sempre agradável. Dei sorte, porque os números que surgem no painel não seguem exatamente uma ordem, vão convocando de acordo com as consultas internas e lido com documentos, algo assim. Poderia ter perdido a vez, mas não perdi. Do 2702 ao 2725 a sequência foi mantida. Pulou para 2730 e lá se foram mais uns 20 minutos até eu executar a enésima sinfonia de alguém no leitor digital, ou sei lá que nome se dá àquilo. Exceção da espera, que essa é inevitável em qualquer lugar abarrotado de gente querendo a mesma coisa, surpreendeu-me o ágil funcionamento de tudo. A entrevista, mesmo, não durou dois minutos, e dela saí com um belo sorriso de despedida e quase dando um autógrafo. Morar na lagoa e perder pra sapo não dá pé, é o que digo.

Alertado por marinheiros de viagens anteriores, estava pronto para despender todo o dia lá dentro. Sem celular, sem nada pra fazer, tive de elencar afazeres imaginários para evitar o tédio. Ou avoidá-lo, para usar um termo de outro idioma que estão lançando por aí. Apelidar mentalmente as pessoas que se apinhavam ali ajudou a passar o tempo.

Pôr apelido nos outros não é coisa que se faça, registre-se. Devo tratamento respeitoso a todo mundo, é uma convenção minha comigo mesmo, mas o que passa pela minha cabeça é problema meu e de mais ninguém, e se me fizer rir, problema meu, podem me chamar de maluco quando me virem rindo sozinho, não ligo. Todo mundo chama, mesmo.

E por isso pus-me a batizar todo mundo que me cruzava o caminho. Barbie chamava atenção de todos. Não pela beleza, que praticamente não tem, mas por ser uma loira pernalta trajando um fosforescente macacão rosa-choque. O cidadão que estava com ela, não sei se irmão ou namorado, é o Sivanei (piada interna). Também batizei Hermeto Pascoal, Alan Harper (o de hoje parece mais com ele que o André Duek, que é sósia), Homer Simpson (há um desse em cada lugar), umas dezoito versões da Lucy Liu (o que essas orientais tanto vão fazer lá pra cima?), Pierce Brosnan, Renato Russo, Gorete (não conheço ninguém com esse nome, mas essa tinha cara de Gorete), Vitantonio Liuzzi, Dilma Rousseff (pediu-me a caneta emprestada na fila, quando olhei exclamei “Dilma!” e ela não se surpreendeu, diz que todo mundo fala isso, vê-se que sou bom fisionomista), o primeiro baterista do Guns’n Roses (dei Google agora e vi que se chama Steven Adler), o padre Moisés (ainda estou devendo uma blogada sobre o velho “Moisa”). Tinha um sujeito lá bem parecido com o Fábio Seixas, também, mas aí é baixar o nível da conversa.

Festa estranha, cheia de gente esquisita. Mas eu tô legal demais, e até aguento uma biritinha no fim da tarde.

Quem vai?

0 comentários: