Impressiona, por vezes, a tranquilidade e a ponderação com que Neusa Félix lida com as questões inerentes à Fórmula Truck, categoria da qual é presidenta. No último domingo, mal haviam terminado os praxes da primeira corrida da categoria no Rio de Janeiro, e Neusa conversava calmamente nos boxes do autódromo de Jacarepaguá, como se a missão que acabava de concluir fosse da simplicidade do preparo de um almoço de domingo para ela e os filhos na residência em Santos.
Neusa talvez não tivesse noção, por volta das quatro da tarde do domingo, de quão grande é a façanha que acabava de consumar. Levar a consagrada categoria esportiva de caminhões ao único dos autódromos já inaugurados no Brasil onde jamais se havia visto aquele espetáculo. Passando, para isso, por cima de um sem-número de contratempos e fatores contrários. Dentre tantos outros mitos, um evento que serviu, conforme ela própria definiu, para tornar real um dos sonhos de Aurélio Félix.
A petição de miséria a que o autódromo foi relegado nos últimos anos emoldurou grande parte das dificuldades. E foram essas dificuldades que nortearam os cerca de 10 minutos de agradável conversa que tive com Neusa e o chefe de produção da categoria, Roberto Cirino. Em primeiro lugar, perguntei a ela se tinham algum fundamento os vários comentários que ouvi sobre aquela ter sido a primeira e última apresentação da Fórmula Truck na pista do Rio.
Neusa respirou. Não é bem assim, disse. Mas, para uma próxima edição, vamos precisar conversar, do jeito que foi agora não dá para ser de novo. Cabe colocar que a prefeitura do Rio, afinal de contas, em nada ajudou. Até instalação de água e energia elétrica correram por conta da Fórmula Truck para que os trabalhos de revitalização do autódromo pudessem ter início. Pareceu-me, diante do que acompanhei no fim de semana, que os engravatados cariocas não acreditaram no potencial daquele evento que nasceu vários anos atrás numa conversa entre caminhoneiros.
Foram 30 dias de trabalho ininterrupto para, como definiu Cirino, deixar o autódromo o mais próximo possível de ter a cara da Fórmula Truck. E ininterrupto, claro, é força de expressão, já que além das horas de sono diárias do batalhão de operários houve os atrasos por causa da chuva, de reserva do local para atividades específicas incompatíveis com corte de grama – e mato! -, pintura e tantas outras coisas que ali se fez. Cirino calculou que, com mais 15 dias de prazo, teria deixado o autódromo exatamente do jeito que imaginou.
Os engarrafamentos nas proximidades do autódromo foram inevitáveis, o fluxo extra que o evento proporcionou teve reflexos até na Linha Amarela, embora eu não tenha a noção exata de distância entre a tal Linha Amarela e o Autódromo Nelson Piquet.
Eduardo Homem de Mello, sujeito daqueles que sabem tudo e mais um pouquinho sobre automobilismo porque viveram o automobilismo por várias décadas, disse que não via tanta gente em Jacarepaguá desde o último GP de Fórmula 1, 21 anos atrás. Meu olhômetro apontou, no domingo, mais de 30 mil pessoas. A estimativa revelada no domingo pelo locutor Téo José, que se fiou em boas fontes, era de aproximadamente 50 mil.
Não sobreviveram dúvidas quanto ao interesse que as corridas ainda despertam no singular povo carioca, a despeito do que fizeram influentes infelizes como César Maia, Carlos Arthur Nuzman e Eduardo Paes em sua tentativa de sepultar o Rio e Janeiro para a história do automobilismo.
A Fórmula Truck, da mesma forma como testemunhei ou acompanhei em casos de vários eventos em outras praças, teve de caminhar pelas próprias pernas para levar a etapa no Rio a efeito. Tal qual nas outras situações, conseguiu com louvores. Sem apoio nem parceria da Prefeitura, muito menos da Federação do Rio de Janeiro. Ainda soou como desaforo, nos corredores da categoria, a constatação do presidente da Faerj, Djalma de Faria Neves, de que “poderia ser melhor”. Até entendo que pudesse, de fato, se o autódromo não estivesse tão abandonado.
Tomei de Neusa uma liberdade que ela não me deu e pedi-lhe que desse um número para eu ter noção de quanto a Truck teve de investir para deixar o autódromo na condição em que estava no fim de semana. Ela e Cirino trocaram um olhar reticente. Uns 250, disse. Um quarto de milhão de reais, convenhamos, é uma quantia considerável. Eu já me dava por satisfeito com a resposta, quando os dois puseram-se a analisar o número com o qual acabavam de concordar.
E a lista começou. Gastamos 40 mil nisso, pagamos 30 mil por aquilo, a mão-de-obra custa mais tantos mil por dia, e teve também aquilo outro em que foi mais aquele valor... Em poucos segundos, a conta passou com sobras dos 250 mil reais sugeridos em princípio pela empresária. Sugeri desviarmos a conversa para outros rumos antes que passassem de meio milhão. Neusa assentiu e alertou que já haviam passado.
A isso some-se toda a despesa com outros itens do evento, que a Fórmula Truck teria no Rio ou em qualquer outro canto do país. E considere-se, também, que o trabalho do batalhão comandado por Roberto Cirino ainda vai longe, até que se desmonte toda a estrutura empregada e a parafernália toda seja embarcada para Caruaru, a próxima estação do campeonato – que neste ano, esqueci de citar, passa a ser Sul-Americano.
Muita gente quer saber quanto a Fórmula Truck investiu na recuperação do autódromo para tornar seu evento possível. Por enquanto, pelo que percebi, Neusa Félix também quer.
3 comentários:
Eu sou fã da dona Neusa ponto com ponto bê-erre.
Sério mesmo. Admiro a força desta mulher. Ela sabe quanto eu admiro essa categoria.
Luciano, eu cheguei a falar rapidamnete com ela no final da prova junto ao pódio, agradeci muito por ter feito o que fez pela pista, por ter revigorado o automboilismo carioca, que a partir de agora teria um lugar mais digno para poder realizar suas corridas.
Estou desde 2004 brigando pelo autódromo, com o SOS Autódromo RJ, devemos até ter nos falado lá na sala de imprensa, sou um entusiasta, e antes de tudo um carioca, e nunca imaginei que uma pessoa que viesse de fora demonstrasse tanta garra para fazer que o autódromo funcionasse, muito mais que muita gente que milita no automobilismo carioca há anos.
A nossa luta ainda não acabou, e está longe de terminar, a cada dia que passa vejo o horizonte cada vez mais confuso, mas pelo menos a F-Truck deu um sopro de esperança de que dias melhores virão.
Daqui a um mês teremos a Stock-Car, talvez eles venham com vontade de bater os números do domingo passado, até lá saberemos mais alguma coisa a respeito do futuro do autódromo.
Apesar da existência de um projeto para levar a pista para outro bairro, ainda acredito que ele possa ficar lá mesmo, servindo os Jogos e depois voltando a ser autódromo.
Realmente, meio milhão de reais é muito dinheiro para realizar uma prova e a prefeitura ganhou de graça um autódromo novo em folha, até a subestação de energia eles consertaram, só faltou religar a água, que desde a construção da Arena foi cortada porque interromperam a adutora que abastecia o autódromo.
Seus textos são muito bons, vou acompanhar seu blog com mais frequência, de repente nos encontraremos em outra sala de imprensa num evento desses em Jacarepaguá.
Grande abraço.
Dificulade é a rotina de qualquer promotor de campeonato brasileiro. Não é exclusividade da Truck e muito menos de Jacarepaguá.
Muito antes das obras do Pan, o autódromo já estava completamente abandonado. O mato, a falta de água, de banheiro.. Há anos essa história se repete lá. Muito tempo antes da pista sofrer alterações para acomodar outras arenas, eu mesma enfrentei dificuldades com o descaso. Banheiro feminino? Ninguém sabe, ninguém viu. A solução foi tomar banho no masculino (chuveiro queimado) com uma pessoa na porta porque não havia fechadura, e eu não podia ir pro aeroporto lavada de champagne.
Esse sucateamento não é exclusividade do Rio.
Cortar mato? Caruaru compete em pé de igualdade com o Rio.
E essa soma de valores varia pouco para se promover uma etapa de campeonato brasileiro na grande maioria dos autódromos, ficando fora apenas Curitiba e Interlagos.
Já vi de perto promotor chegar e não ter telefone, banheiro, internet, e tantas outras coisas em vários autódromos.
Coloca o custo de toda essa infra-estrutura no papel.. Sem falar que muitos nem arquibancada tem, o promotor que se vire. Sabe quanto custa o aluguel de arquibancada? Muito mais do que se imagina...
O patrocinador quer HC? Vai lá o promotor contratar estrutura de lona, luz, som, mesa, cadeira...
Quando o autódromo de Santa Cruz foi inaugurado, não existia nada lá. Nada. Nem torneira tinha. Só a pista, as paredes e o teto do box. Nem pódium tinha. Mas o patrocinador quer corrida lá, e aí? A prefeitura ajuda? A federação ajuda? Ha ha ha.
A realidade é essa, os custos são esses. Há muito tempo. E quem escolhe os autódromos são os patrocinadores.. e a batata quente fica com o promotor.
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