Quem esse cara pensa que é?
Foi essa, repleta de indignação, minha primeira reação quando desliguei o telefone durante um horário de almoço em 1998. A ligação, com uns 15 ou 20 minutos de duração, talvez mais, consumava uma entrevista com Rubens Barrichello para o meu jornal, deu página inteira numa edição de domingo.
Tenho o hábito besta, alguém já me alertou que é bem besta, de fazer distinção entre o Rubinho da Jordan e o Rubens de a partir de quando estava na Stewart, mais ou menos a época daquela entrevista, e sobretudo da fase da Ferrari até a de agora.
A entrevista. Em resposta a dada pergunta, algo sobre críticas ou rejeição, ou qualquer coisa nessa linha, Rubinho havia acabado de me dizer que quem não gostava de vê-lo correndo deveria trocar de canal na hora das corridas. Logo a mim, que assistia às corridas torcendo por Hill contra Schumacher em 95, por Villeneuve contra Hill em 96, por Schumacher contra Villeneuve em 97, por Schumacher contra Hakkinen em 98. Vê-se que já naqueles tempos eu era um pé-frio dos diabos.
Quem esse cara pensa que é?
Nunca fui exatamente um torcedor fervoroso de Rubens. Ou de Rubinho. A temporada de 1998 era a minha sexta como profissional no automobilismo, embora até então jamais tivesse pisado num autódromo fora do Paraná ou visto um carro de Fórmula 1, exceção feita à Williams do Piquet na reinauguração do autódromo de Curitiba, dois anos antes.
Não que até aquela altura ele, Rubinho, não houvesse proporcionado momentos que eu relacionaria com facilidade entre os que aplaudi. O trabalho na F-3 inglesa e na F-3000 internacional, que acompanhava em VTs pelo “Esporte Espetacular”, a pole em Spa/94, a grande atuação em Donington/93, numa manhã em que eu e dois amigos nos enfiamos num fim de mundo onde sinal de TV era milagre e, entre churrasquinhos e cervejas, cantávamos “ê, ô, ê, ô, o Rubinho é um terror” que nem uns doidos, e quando o carro quebrou mudamos a cantoria, sem qualquer preocupação poética ou com rimas, para “ê, ô, ê, ô, o Rubinho se fodeu”.
Aquele domingo de 93 trouxe, talvez, o momento em que mais torci por uma vitória de Rubens em seus trezentos e não sei quantos GPs. Chegamos, meus amigos e eu, e até hoje não lembro por que fomos parar numa garagem quase fora da cidade pra ver a corrida, a torcer por uma dobradinha brasileira com ele à frente de Senna, que era o ídolo da época, o nosso ídolo. Quebrou, paciência, ainda havia carne e cerveja, era isso que mais nos importava.
O que foi a carreira de Rubens de 93 até agora todo mundo sabe. E quem não sabe é porque não está nem aí para isso. A mim, pouco importava o que ele conseguisse ou deixasse de conseguir. Até aquela entrevista em 98, que valeu a Rubens Barrichello, de minha parte, uma frenética torcida contrária.
Quem esse cara pensa que é?
É uma pergunta que talvez nem o próprio Rubens pudesse responder, nem em 93, nem em 98. Nem em 2000, quando já não era mais Rubinho e teve um domingo inspirado e deu aquele show na corrida maluca de Hockenheim. Show com xis maiúsculo, diria um ex-colega de faculdade. Quem esse cara pensa que é?, foi o que pensei, enquanto a Ferrari atropelava o que lhe surgia à frente. Devo ter pensado isso. Pensei mais algumas coisas, que publiquei aqui.
E seguiram-se anos de altos e baixos, e todo mundo sabe como terminou a história de Rubens na F-1, pelo menos a fase dos primeiros 19 anos, já que ele admite voltar. Não volta. Semana retrasada, foi dormir com a certeza do emprego mantido, “dentraço” da equipe, para aplicar um termo que é dele próprio. Acordou com um telefonema do patrão, ex-patrão, “sinto muito, vamos renovar”.
Dentraço da equipe? Certeza? Mas, afinal, quem esse cara pensa que é?
Escrevi algumas linhas sobre Rubens dias depois do telefonema internacional que o pegou de surpresa – sim, posso afirmar: pegou-o de surpresa. Não as publiquei. Não me acho tão importante assim para opinar sobre tudo, como diria a Alessandra Alves. Lembro que escrevi sobre ter narrado a volta final de sua última vitória na F-1, uma TV na sala de imprensa mostrava o GP em Monza e eu me diverti, sem qualquer compromisso com isso, repassando aquele momento para o público que já acompanhava em Interlagos uma etapa do Itaipava GT Brasil. Lembro também que terminei o texto de dias atrás elencando algumas coisas que haviam faltado a Rubens em sua passagem pela Fórmula 1, a vitória no GP do Brasil incluída, e observei que essa ainda poderia ser compensada numa participação pontual na etapa da Indy no Anhembi. Ainda não havia vazado para a imprensa, quando escrevi aquilo, que ele iria testar o carro do irmão-camarada Tony Kanaan. Testou hoje, dia de sorrisos e veladas trocas de gentilezas na Flórida.
Há duas semanas Rubens perdeu o emprego. Lamentou com discrição, saudou o substituto e se mandou com seus moleques para a Disney. Está com a vida ganha, afinal. E hoje, perto dos quarentinhas, foi se esbaldar num carro da Fórmula Indy, e por lá deve ficar por um bom tempo, e depois talvez vá disputar corridas de longa duração, ou Nascar, ou GT, ou Stock Car, ou Truck, ou qualquer outra coisa, ou pode ser que vá para casa cuidar dos cães e contar histórias aos netos, e de modo ou outro vai ser assunto entre os que orbitam o automobilismo.
E não vai ser surpresa para ninguém se, agora fora do ambiente carregado que a F-1 parece impor aos que a frequentam, assumir maior habilidade para medir as palavras e evitar desgastes. Como também não vai surpreender viv’alma se, em via inversa, soltar o verbo de vez, falar o que lhe der na telha, doendo em quem doer. A mim, parece já ter adotado esse novo, hã, way of life.
É aí que eu pergunto: quem esse cara pensa que é?
(Nota: como ainda não aprendi a indicar os créditos no cantinho de cada foto, cito por aqui: a primeira eu subtraí do site da Indy sem muito escrúpulo, já que não estava na área de material copyright free; a segunda foi postada no Twitter do próprio Kanaan; a última veio também do Twitter, foi postada pelo Anderson Marsili, que é assessor de imprensa dos dois)
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