A chuva tinha dado uma trégua, eu vinha cá para o escritório, como passageiro, com a janela aberta. Foi o que me permitiu ouvir o inusitado. “Menino da porteira”, clássico dos clássicos da boa música sertaneja, em pleno início de tarde de uma segunda-feira carrancuda.
Gargantas afinadas, primeira e segunda voz bem definidas e bem aplicadas, nada de acompanhamento. “À capela”, como pediria Fausto Silva. Foram poucos segundos de privilegiada audição, enquanto o carro ultrapassava uma carroça.
O modesto veículo de tração animal, apinhado de papelão, levava também os dois animados cantores. Um adulto, já devendo ter rompido a casa dos 40, outro franzino, não mais que 15, de boa goela e, logicamente, dono daquela potente primeira voz. Pai e filho, imagino.
A garoa fina que acompanha o vento poderia tornar causticante aquela jornada, que suponho ser cumprida diariamente, talvez diuturnamente. De bate-pronto, intuí que os dois prefeririam estar escutando um CD qualquer abrigados em uma confortável caminhonete. É muito provável que o preferissem. Mas pareciam felizes, ao galope do animal mambembe, cantando “Menino da porteira”. Cantando bem, como poucas duplas ouço cantar, eu que sou um participante ativo, ao meu alcance, do ambiente das músicas sertanejas.
Aqueles versos, escutei poucos deles, saíam carregados de sentimento. Tinham energia. Felizes seríamos se pudéssemos, todos, externar tanta energia positiva quanto os dois catadores de papelão, que só à alta noite deverão retomar seu lar, na minha imaginação um lugar humilde, mas harmonioso.
Faltou uma foto. Achei chato pedir para meu “jarbas” parar, eu vinha de carona. Ou talvez seja melhor compartilhar essas impressões sem foto, para que cada um de vocês possa imaginar aquilo que vi e ouvi.
Vou esperar por um reencontro com os dois animados trabalhadores. A seu modo e sob suas limitações, eles me mostraram naqueles poucos instantes a cara do país com que sonho.
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