E eis que minha carteira de motorista está suspensa. Atingi 28 pontos, na contagem que admite máximo de 20 no espaço de um ano. Um bandido do volante, eu, seria a conclusão mais óbvia.
Talvez não.
Às contas, pois. Sete pontos por “avançar o sinal vermelho do semáforo ou de parada”, mais quatro por “estacionar veículo na sinalização horizontal do transporte coletivo”. Onze pontos, que pago por, primeiro pecado, ter consentido em manter registrado em meu nome um veículo que não é mais meu. O novo proprietário cometeu as infrações. O Detran envia o comunicado à residência do titular do veículo e, segundo pecado, mudei de endereço sem ter comunicado as autoridades. A correspondência oficial foi pro endereço antigo, não vi, não fiz apresentação de condutor.
Ok, em frente com o cálculo. Cinco pontos por “deixar o condutor ou passageiro de usar cinto de segurança”. Não vejo razão mais idiota para lascarem cinco pontos na habilitação de alguém. Um farol queimado, uma velhinha atropelada, a participação num racha – o que acontece aos montes por aqui, ninguém vai para a cadeia por isso –, qualquer coisa assim me faria comemorar uma notificação. Devo ter dirigido sem cinto algum dia, ou dado carona a alguém que não afivelou o cinto. Ou foi a Juli, já que revezamos os dois carros da casa. Em tempo, não participo de rachas. Prefiro estar com mulheres, embora o plural seja indevido diante do fato de eu ser casado. Chegamos a 16 pontos, acompanhem.
Mais três pontos vêm como prêmio por “conduzir o veículo sem os documentos de porte obrigatório”. Pouco a contestar, fui parado numa blitz em 2009, só tinha a via de 2008. O documento da vez havia sido enviado para o endereço do proprietário anterior, enfim, não estava comigo. Os impostos estavam todos pagos. Como meu dever era deixar isso claro ao policial sem ter de ficar contando histórias, chegamos aos 19 pontos na minha contagem. Berlinda.
Aí, vem o castigo por ser cidadão cascavelense – por mais pouco tempo, espero. Três bordoadas, cada uma de três pontos, por “estacionar veículo em desacordo com a sinalização”. Chegamos aos 28 anunciados lá no primeiro parágrafo.
Essas decorrem do injurioso sistema do EstaR. Que existe em toda parte. Para estacionar em determinada área da cidade, você precisa comprar o cartão de 30 minutos, ou de uma hora, marcá-lo e deixar sobre o painel do carro. Se não deixar, leva notificação. Motociclistas, apesar de terem espaços isentos do EstaR em todos os quarteirões onde o sistema vige, ocupam vagas de carros deliberadamente, sem cartões, porque nunca são notificados.
Sem maiores pudores por ser tão repetitivo no tema, peço licença ao prefeito Edgar Bueno e ao presidente da Cettrans, Jorge Lange, para reforçar o coro de milhares. Do modo como (não) é fiscalizado, o EstaR fere até o bom senso. Explicações? Vamos a elas.
Todo motorista notificado pelo EstaR tem prazo de alguns dias – sete úteis, se não me engano – para anular sua notificação, sob taxa de regularização de cinco reais. As notificações não regularizadas são convertidas em multas pelo Detran, de R$ 53,90, cada, e mais aplicação de três pontos na carteira de habilitação. E por que eu deixaria de pagar os cinco reais, sabendo que levaria três pontos na CNH e teria de pagar mais que dez vezes este valor ao Detran?
Se os senhores não têm a resposta, eu a dou. Os agentes da Cettrans, quando notificam um veículo – sempre carros, vans, caminhonetes, nunca motos –, deixam não só a notificação presa ao limpador de parabrisas como também um pequeno adesivo colado no vidro da porta do motorista. Para que ninguém seja notificado sem saber, o que é uma providência coerente. O que ocorre é que, em Cascavel, os ditos flanelinhas tratam de remover dos carros os talões de notificação e os adesivos, sob a prerrogativa de poderem alegar ao motorista que o veículo foi “bem cuidado, tio”, e assim pedirem a contribuição – que na grande maioria das vezes é dada de bom grado.
Concordando ou não com o sistema, por mera questão matemática, não deixaria de pagar os cinco pilas. Que seriam quinze, já que foram três as multas pela infração. Mas, seguramente, fui premiado pela ação dos flanelinhas – e já escrevi sobre isso, aqui – em ocasiões em que não fiz uso do valioso cartão do EstaR.
Ademais, para todo imposto ou taxa que se paga, há um benefício compensatório. É a lenda que nos contam desde a infância. Peço licença a Edgar e Jorge – ou a Bueno e Lange, para tratá-los com a formalidade que seus cargos sugerem – para perguntar qual o benefício traz o EstaR? Vendem-se cartões, recebem-se notificações e as notícias sobre o rombo de caixa na Cettrans seguem atemporais? Também já escrevi, está aqui, algo sobre obrigatoriedades nas áreas de estacionamento regulamentado.
Enfim, vou deixar de testemunhar os livres rachas nas vias públicas por alguns dias. Minha CNH está suspensa e, antes de reavê-la, terei de despender 30 horas do meu já parco tempo em um processo de reciclagem de motoristas oferecido pelo Detran. É regra. Um serviço que, quando criado, imaginei destinado a bandidos do volante, a pessoas que cometem excessos e põem vidas em risco. Ledo engano, também atende trouxas que confiam o próprio nome ao registro de carros que não lhes pertencem, que dirigem ou dão carona a quem não afivela o cinto de segurança, que frequentam as mesmas áreas da cidade que os flanelinhas.
Serão cinco períodos consecutivos, uma semana inteira dedicando cinco horas diárias a lições que, mais importantes que a exigência do cinto, servirão para eu deixar de ser trouxa – tanto por emprestar o nome quanto por continuar vivendo numa cidade onde a ação de flanelinhas é mais eficiente que a dos burocratas da Cettrans. A existência dos flanelinhas, afinal, não é responsabilidade deles.
Tomara que a reciclagem do Detran consista numa turma abarrotada de trouxas e bandidos do volante. Pelo menos, terei um novo público a quem vender os números da rifa do meu fusquinha.
Que, já aviso, só será entregue ao ganhador depois do recibo estar devidamente preenchido e de ter sido feita ao Detran a devida comunicação de repasse da posse.
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