terça-feira, 15 de junho de 2010

Que país é esse?

Quando meu dia começa fora de casa, percebo que não será um dia normal. Abro meus despachos da terça na Câmara Municipal, onde invariavelmente passo para tomar o cafezinho que, de modo ou outro, ajudo a pagar. Da sala onde sempre há uma garrafa térmica à minha espera, há uma porta que dá para o plenário. Surpreendo-me com a imagem dos vereadores em plena sessão, todos, digamos, uniformizados. Um golpezinho de mídia, coisa do gênero, penso. Deve ter sido qualquer coisa assim, mesmo.

Bem, os vereadores torcem pela seleção brasileira, hoje tem jogo do Brasil contra um time de coitados não sei de onde, vale pontos no torneio mundial. Que torçam, pois. E de lá saio, café tomado e alguns números do sorteio do fusca vendidos, atravesso a rua e vou para o segundo tempo do café, no bar da Iraci. Penso que haverá uma festinha infantil, lá, tantos são os enfeites, frescuras e motivos verde-amarelos empregados na decoração. Iraci, a dona do Rotativo’s (não sei se tem esse apóstrofo, mas todo dono de boteco usa achando que é chique, então ponho-o por minha conta), não ateve-se só ao bolão do jogo, que está promovendo a exemplo de praticamente todos os outros botecos. Locou telão, comprou alcatras e vai reunir a freguesia na hora do jogo. Estarei lá, claro, alcatra com cerveja numa terça à tarde é coisa que não aprecio já faz uma semana.

Como nem só de café vive o homem, mas também de toda comida preparada pela dona Judith, vou filar um almoço na casa da sogra. No caminho, chamam atenção os dezenas, centenas, sei lá, de automóveis que transitam com bandeirinhas do Brasil anexadas. Parecidas com a que ganhei no Posto Maçarico, e com a qual o Luc Jr., que pela pouca idade ainda não tem a noção de certos comportamentos indevidos, estava comemorando, agora de manhã, exclamando “Brasil”, devidamente armado com sua minivuvuzela, que sei lá onde conseguiu. Juli deve ter comprado pra ele, preciso alertá-la para parar de jogar dinheiro fora. De real em real, o Luc compra um fusquinha, afinal. E ela que não venha me retrucar por eu ter assinalado dois palpites no bolão que o Maçarico está fazendo. Jogo é investimento, brinquedo para crianças é supérfluo, tenho dito.

Saio da casa da sogra, ambiente sempre pouco recomendável a qualquer cidadão de sã consciência, e percebo que a brasilidade em sua essência começa a contaminar todo mundo. Bandeiras na parede da casa da vizinha. Na parede da papelaria, as Meninas Superpoderosas, que sempre estiveram ali, dividem seu espaço com uma decoração modesta. Casas e mais casas decoradas com bandeirinhas, coisinhas frufrus em verde e amarelo, até o anúncio da concessionária Renault parece ter inspiração na Copa – e vendo-o, lembro que tenho de mandar meu Clio para a revisão dos 30 mil km, embora já tenha passado dos 35 mil.

Como já previ numas linhas mal traçadas que postei aqui outro dia, tudo parece girar em torno de um jogo de futebol. Desde a moça que espera angustiada por algo ou alguém à porta da escolinha. Ela veste uma camisa amarela com o nome do país estampado, não imagino que em homenagem aos bons exemplos dados pelo Brasil a seus companheiros de mapa mundi. A própria escolinha, pelo horário, parece estar à frente de um televisor esperando o jogo começar. Erma. Perto da uma da tarde, horário de pico nesse tipo de estabelecimento. Na escola do Luc Jr., por exemplo, haveria atividade só até as três da tarde, teria de deixá-lo lá e já em seguida buscá-lo de volta, então o fedelho já está escalado para me acompanhar na jornada inglória ao boteco, onde ele sempre se esbalda com porcarias calóricas.

É coisa que não me entra na cabeça essa manifestação de inexistente patriotismo. A moça da frente da escola, a Iraci, os vereadores, o motorista da S10, o dono da livraria que deve ter uma filha fã de Docinho, Florzinha e sei lá o nome da outra mini-heroína, a vizinha da minha sogra, todos são pessoas que, com maior ou menor intensidade, têm alguma mágoa do Brasil. Não do Brasil, mas dos problemas com que afronta seu povo a cada momento, todos os lugares-comuns que levam todo cidadão a assumir uma posição diante de qualquer coisa. Não é todo dia que se veem brasileiros orgulhosos da flâmula verde-amarela-branca-azul-anil.

Precisam 11 atletas entrarem em campo bem longe daqui, onde entre a multidão só haverá uma das pessoas que conheço - o Osires Júnior -, para que o Brasil valha a pena, ainda que por 90 minutos. Isso se houver resultado favorável aos atletas de camisas amarelas, o mesmo amarelo que hoje vi em carros, casas e corpos. Sim, tudo indica que sairão, os de amarelo, vencedores do confronto. Se não saírem, os atletas e seus mentores serão também motivo do ódio e da mágoa de uma nação.

Coisas estranhas, essas do Brasil. Mas seu povo, a maioria dele, está feliz, hoje tem futebol, todos vão deixar seus afazeres de lado para honrar a pátria, afinal dela somos filhos.

Renato Russo morreu sem que lhe respondessem uma de suas perguntas mais contundentes, essa que transcrevi lá em cima. Não se iluda. Você e eu também partiremos para outro plano sem essa resposta.

1 comentários:

Scotton disse...

Esqueceu de mencionar que o Brasil "pára" para ver 11 semi-analfabetos (leia-se sem ensimo médio completo) que ganham milhões por ano!