quarta-feira, 23 de março de 2011

Pastéis de Belém (2)

De cara, o título que escolhi para a série de bobagens que vou postar cá de Portugal soa indigesto. Na chegada à Europa, afinal, vomitei.

Que não se observe aqui qualquer menção de reprovação a nada. De fato, e sem maiores cerimônias, pus para fora a refeição servida a bordo e que me fez desembarcar num mal-estar dos diabos às seis da manhã em Lisboa. E no frio, o que não costuma deixar o meu questionável humor em seus melhores dias.

O problema foi que o rango, até bom, mostrou-se incompatível com o preço que meu sistema digestivo tem cobrado pelos maus tratos a que o tenho submetido nas últimas décadas. Nada mais que isso.

Pouco passava das seis e meia da manhã aqui, três e meia no Brasil, quando usei as últimas gotas da bateria do celular para avisar o povo lá de casa que havia chegado. Isso é praxe. Desci do voo 196 da TAP sob um frio de 10 graus e, em novo exemplo de maus tratos ao corpo, vali-me do ambiente reservado a fumantes, aqui fumadores. Foram mais de 12 horas sem uma tragada. Destinam a isso algo parecido com a tal "casa de vidro" do BigBrother, que entendo ser uma espécie de repescagem do jogo.

Os centenas de metros entre o finger e os guichês da imigração, penso, valeram para repor uma das várias tardes de caminhada em que dei o cano nos últimos dias.

O café da manhã começou a mandar lembranças já na longa fila da imigração, onde um dos atendentes assustava gentes de várias partes do mundo com sua visível falta de disposição de aplicar seu carimbo azul a passaportes estrangeiros. Preparei para ele um repertório que acabei não tendo de sacar. Quem me atendeu foi sua simpática colega, que mostrou-se solidária a mim diante da informação de que fico por aqui só até sábado. “Tão pouquinhos dias?”, sorriu.

Antes disso, logo atrás na fila, um colombiano roía unhas diante da constatação de que sua conexão para Madri partiria em 20 minutos e havia coisa de uma centena de passaportes à nossa frente. Estava acanhado, ainda mais depois da tentativa malfadada de pedir orientação a um agente que, mostrando no peito a insígnia policial, esnobou em bom português, sem trocadilhos, que aquilo não era problema dele. Fiz o colombiano furar a fila, dei-lhe dicas que supus serem eficientes para ir direto ao guichê. E assim fez, e deve ter conseguido embarcar para a Espanha.

Depois de 50 minutos na fila à espera do carimbo, retirei a bagagem nas esteiras e fiz menção de procurar os pontos de táxi. Até que um agente alfandegário encucou com a caixa que eu trazia a pedido do pessoal que veio antes, e que me foi levada ontem à tarde em Guarulhos. Por algum motivo, pensava serem adesivos, e foi o que respondi ao fiscal ávido por encontrar ali algo que me pudesse estragar a quarta-feira. Abriu a caixa. “Isto lhe parecem autocolantes?”, indagou, apontando para o conteúdo da embalagem – suportes metálicos não sei do quê. “Talvez com umas gotinhas de Super Bonder...”, foi o que respondi, e fui liberado.

Calculo que 120% dos táxis de Portugal, ao menos da frota de Lisboa, são veículos Mercedes-Benz. “A opção é dos patrões. Estes são os melhores carros”, apontou Carlos do Rosário, taxista que me trouxe ao hotel Estoril 7. Tive praticamente de lhe ensinar o caminho, constatação dele próprio. “Ah, pois, sou taxista há tantos anos e é um rapaz do Brasil quem tem de me ensinar os caminhos cá no Estoril. Seguramente vais fazer piadinhas de português com os seus”, anteviu, coberto de razão e exercendo o sotaque pátrio em que vejo boa dose de simpatia.

Foram algumas voltas, é verdade, até chegarmos ao hotel que, minutos antes, eu já lhe havia apontado de longe. “É lá, olha o letreiro”. A essa altura, estávamos no portão do autódromo, que será o escritório de todos nós do Porsche GT3 Cup Brasil no fim de semana. O fiscal responsável por liberar a cancela à entrada do complexo esportivo não soube informar a Carlos do Rosário a rota para virmos à hospedaria; o taxista viu-se em dificuldade também com os complicados trevos que trazem até aqui. “Não há boa sinalização, parece coisa de português”, tentou brincar. Os brasileiros devem abusar da sacanagem com o pessoal daqui.

Enfim, não consegui administrar meu estômago até a chegada ao Estoril 7. Pedi a Carlos do Rosário que estacionasse em qualquer lugar e, tendo o autódromo como paisagem, tratei de aliviar meu mal-estar. Missão cumprida, um guardanapo, um chiclete e tudo certo.

O relógio do laptop indica que são seis da manhã. Na verdade, são nove. Vai continuar indicando meu horário habitual. Ia arriscar uma imersão em água quente na banheira, mas deixo pro fim da tarde. Vou dar um pulinho ali no autódromo. Que, olhando daqui, a algumas centenas de metros, parece muito bonito.

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