quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Oito e vinte e cinco

Ontem, ou já nos arremedos do que seria hoje, fui dormir encucado. Com compromisso marcado para as oito e vinte e cinco. Pontualmente, às oito e vinte e cinco. Nem vinte e quatro, nem vinte e seis. Oito e vinte e cinco.

Tempo atrás, pouco tempo, ser-me-ia impraticável. As primeiras horas da manhã, para mim, nunca existiram de fato, eram uma lenda que as pessoas insistiam em citar, mas não poderia existir nada no mundo antes, sei lá, das dez da manhã. E sempre me falaram essas coisas, boi-tatá, saci, mula-sem-cabeça e que havia gente que pulava da cama às seis, às sete. Claro que nunca acreditei, oras, acham que sou tolo?

Oito e vinte e cinco, estou de olho no relógio. Meu compromisso é um telefonema, menos mal, dispensa-me de um figurino apresentável e de um penteado decente, coisas impossíveis para uma manhã de fato.

Não posso perder a hora, daqui a pouco serão oito e vinte e cinco.

E nesse instante do dia o sol tem o capricho de apontar exatamente pela janela do escritorinho que mantenho cá em casa, deixo a janela fechada e recorro à lampada fluorescente, que emite mais energia magnética em forma de luz do que de calor, é o que me conta a Wikipédia, e que foi criada por Nikola Tesla. Nome besta para um sujeito, Nikola Tesla, tomara que tenha ganhado um bom dinheiro com sua invenção.

Ainda há um tempo. Ultimamente, diferente de tempos recentes, tenho mesmo acordado mais cedo. Coisa de velho, disse-me alguém, não lembro quem, e deve ser verdade, sempre ouvi dizer que velhos acordam mais cedo para passarem mais tempo no dia sem fazer nada. Comentário maldoso com eles, os velhos, a quem a falta de melanina das minhas parcas madeixas recomenda que eu defenda veementemente. Sou um deles, afinal.

Acho que nunca vou compreender certas manifestações de pontualidade. Minha esposa, muito menos. Se marcamos uma efeméride qualquer para as dez da noite, por exemplo, tenho de mentir para ela que está combinado para as nove. Ela demora para se arrumar, e quando está pronta conclui que não está bem e começa toda a caça ao guarda-roupa de novo. Nunca chegamos às nove, claro, e às vezes nem às dez.

No bar que frequentamos, as reservas de mesa valem até as dez da noite. Perdi várias mesas de boa localização por chegar minutos depois das dez. Anteontem fomos mais cedo, e o cidadão que reservou um camarote não estava lá às dez, e como não havia mesas a casa nos cedeu aquele camarote. Nelson, era o nome dele, havia uma plaquinha sobre a mesa do camarote, como tantas plaquinhas com o meu nome que jogaram fora às dez badaladas. A mulher de Nelson também deve demorar para se aprontar, pensei. Tomara, não quero que Nelson tenha tido problemas mais sérios que isso em plena terça-feira. Não sei quem é Nelson, mas que chegue no horário combinado na próxima vez.

Oito e vinte e cinco, não me deixem esquecer. Não sei por que cargas d’água, isso me lembra o antigo programa que Jô Soares tinha no SBT, que tinha “Onze e Meia” no nome, mas nunca começava antes das duas da manhã. Igual à novela das oito, que começa às nove e, se mudarem-na para as dez, continuará sempre novela das oito.

Aí lembro dos monitores que espalham-se pelos aeroportos, que insistem em confirmar tal pouso ou tal decolagem para, digamos, as 11h37, algo de que rio, afinal avião nenhum decola no horário certo, então não se veem motivos para uma previsão que passe uma precisão tão falsa. Na única vez, sem eufemismos, que um avião meu decolou no horário, isso aconteceu no mês passado, um voo Foz-São Paulo, eu cheguei atrasado ao aeroporto porque Luc Jr. não me dispensou de comer um lanche de franquia com ele, e isso custou minutos importantes. Cascavel não tem aeroporto que preste, sempre tenho de dar um pulo a Foz, e quando ganhei o estacionamento do aeroporto, vi o charutão da Gol ganhando o horizonte.

Está quase na hora. “Acerte o seu aí que eu arredondo o meu aqui”, diria aquele locutor de voz rouca, antes de iniciar a narração de uma pelada qualquer de futebol.

E leio em algum lugar que, em determinado espaço de tempo, o atraso médio dos trens-bala no Japão foi de seis segundos. E os japas têm isso como dado relevante, cada trem daquele ano, falo de trem-bala, chegou seis segundos depois do combinado. Imperdoável.

Oito e vinte e cinco. Estranho lidar com coisas de cronologia tão precisa. Outra lenda me conta que um relógio genuinamente suíço atrasa um segundo a cada 30 anos. Quem ficou olhando pro relógio por 30 anos pra chegar a essa conclusão? E por que dizemos relógio suíço, se nem todos os bons relógios suíços são fabricados na Suíça?

Os relógios mais precisos, dizem, são os suíços. Não sei, não uso relógio de pulso há mais de uma década, hábito ratificado com a compra do meu primeiro telefone celular. Mas o exemplo mais fiel de pontualidade vem dos britânicos, todo mundo fala em pontualidade britânica. Os trens de Londres devem atrasar mais que os de Osaka. Não conheço a Inglaterra, nem o Japão, quem sabe um dia eu tire essa história a limpo.

Enfim, paro por aqui. Senão, perco meu horário.

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