Jornalisticamente falando, faz muito tempo que não faço nada de muito útil em termos de automobilismo. Assim, de tempos em tempos, acabo vasculhando minhas gavetas digitais (inventei isso agora) atrás de alguma coisa que tenha feito anos atrás.
Hoje, motivado pela onda do momento, fui caçar a entrevista que fiz com Felipe Nasr em fins de 2009 e só fui editar no começo do ano passado. Lembrei dela enquanto manifestei aqui minha surpresa com o destaque dado pelo Jornal Nacional a seu título na Fórmula 3 inglesa. Como das outras vezes em que reeditei coisas aqui no blog, vai do jeitinho que escrevi à época, sem nada de atualização. Até as fotos são as que separei mais de um ano e meio atrás, para a revista Cockpit.
CARREIRA
O cara da vez
Felipe Nasr impressiona com campanha vitoriosa na F-BMW e define mudança para F-3 com caminho traçado rumo à F-1
Luciano Monteiro
Dez entre dez atletas que se lançam a uma carreira nas pistas nutrem o sonho, em pouco tempo convertido em objetivo, de chegar à Fórmula 1. Maioria têm suas trajetórias interrompidas pelos motivos mais diversos, em grande parte dos casos ligados à falta de dinheiro para bancar um esporte reconhecidamente dispendioso. E, entre os poucos que conseguem engrenar uma sequência no trabalho de pista, é muito fina a fatia dos que veem a possibilidade concreta de tomar parte da principal competição automobilística do planeta.
Mas há, claro, os que chegam quase lá. E os que sabem que vão chegar lá. Parece ser o caso de Felipe Nasr, brasiliense de 17 anos que ganhou prestígio em 2009, sua primeira temporada no automobilismo, com a conquista do Campeonato Europeu de Fórmula BMW. Depois do título, atuou como convidado em provas do Campeonato Asiático. Em Cingapura, comemorou pole, vitória e volta mais rápida nas duas corridas. Em Macau, etapa única, largou em segundo e foi tirado da pista por outro piloto na primeira volta. Era líder.
Das 16 etapas que compuseram o Europeu, Felipe esteve 14 vezes no pódio, com cinco vitórias e nove segundos lugares. Só não ficou entre os três primeiros na rodada em Silverstone – marcou as duas poles, foi punido por um problema com a marcha à ré de seu carro e largou em último nas duas corridas, que tiveram 26 pilotos. Nas duas, foi oitavo. “Foram as mais importantes, valeram como vitórias. Numa categoria onde ultrapassar é muito difícil, os carros são muito iguais, acabei impressionando muita gente”, orgulha-se.
As atuações valeram-lhe um contato rápido com a Red Bull, que a partir da rodada de Nürburgring dava cores no carro número 12 da Eurointernational. Diplomado em inglês, Felipe aprendeu a falar italiano durante o ano de residência em Novara, cidade sede do time. Agora, empacotou a mudança e vai para Woking, para ficar mais próximo da DoubleR, sua equipe na Fórmula 3 inglesa para 2010. O anúncio da contratação, esperado para os últimos dias do ano passado, seria repicado no site oficial felipenasr.com e em sua conta no Twitter, @FelipeNasr.
Filho de Samir e sobrinho de Amir Nasr, sócios numa das equipes de competição mais tradicionais do país, convive com o mundo da velocidade desde muito novo. Foi pela Amir Nasr Racing que teve os primeiros contatos diretos com carros de corrida. Primeiro, em testes isolados com monopostos da F-Renault e da F-3. Depois, disputando em Interlagos uma rodada dupla F-BMW America, pela equipe da família. Conquistou o terceiro lugar nos dois grids, terminou uma corrida em quinto e outra em terceiro. Despertou olhares atentos.
Felipe é extremamente ligado a esportes. Cumpre sessões diárias de uma hora e meia de musculação e trabalho aeróbico em academia, pratica natação, joga tênis e futebol. É torcedor do Botafogo, por influência familiar. “Eu acompanhava mais o futebol. Mas assisti ao último jogo do Brasileirão, conseguimos escapar do rebaixamento”, comenta. É adepto ainda de videogames e jogos de computador. Em meio a tantos costumes, encontra tempo para sair com os amigos e com Júlia Piquet, filha de Nelson, sua namorada há um ano e meio.
No portaluvas do carro de passeio, leva dezenas de CDs de hip-hop e música eletrônica. “Também gosto de Dire Straits, Led Zeppelin, Pink Floyd, Beatles, o que há de bom no rock mais antigo”. É com todos esses hábitos que o brasiliense distrai-se distante da família, que marca presença quando possível. “Meu pai e minha mãe foram para Monza, na última etapa do campeonato. No meio do ano, os meus primos foram para lá, minha irmã também. A Júlia esteve comigo na etapa da Holanda, a mãe dela mora lá”, ele lista, em bate-papo com a Cockpit.
Cockpit – Como tem sido a experiência de viver longe do Brasil e da família?
FN – No começo era tudo ideia, tudo era falado, a gente falava de eu ir morar fora, na Itália. Mas só quando me vi lá, no apartamento, foi que caiu a ficha. No começo, meu tio (Amir) foi junto para conhecer o local, para me ajudar a achar um apartamento. A tecnologia de hoje ajuda muito, era só ligar o computador e ver todo o meu pessoal pela webcam, então não chegava a dar aquela saudade, aquela coisa de “quero voltar”. Mas quando eu tinha umas duas ou três semanas de folga, voltava para o Brasil. Fiz isso umas quatro ou cinco vezes.
Cockpit – Em entrevista à Cockpit (edição número 1), Nicolas Todt disse que você é o brasileiro que merece ser observado no momento. Como você recebe esse tipo de observação?
FN – É, ele disse isso no GP do Brasil, eu estava lá. O Nicolas veio falar comigo, até falou para eu entrar em contato, você sabe que ele trabalha com gerenciamento de carreiras. Eu agradeci e disse que no momento já estava com outras negociações. Ele falou “tudo bem, mas se optar, se quiser, aqui estão os meus contatos”. É sempre assim, o problema é que as coisas acontecem depois da hora certa. Depois que eu já estava com a vida praticamente resolvida, começaram a chegar mais oportunidades.
Cockpit – E seu teste com o Fórmula 1 da BMW-Sauber?
FN – O Mario Theissen (diretor esportivo da BMW) estava tentando garantir esse teste. Todo ano, o melhor piloto da Fórmula BMW ganha o teste, e eu iria treinar depois do Mundial. Com a saída, as coisas se complicaram. Ele ainda tinha tentado me colocar no teste de dezembro em Jerez, mas já havia três pilotos do ano passado escalados. Minha relação com ele é muito boa, ele me disse com muita clareza que quando tiver alguma oportunidade, a primeira pessoa que vai chamar serei eu. Se ele tiver que apontar alguém para a Sauber, vai me apontar. Mario é uma pessoa muito inteligente, sempre me mostrou o caminho, me ajudou em várias coisas.
Cockpit – Você trabalha com um prazo estipulado para chegar à Fórmula 1?
FN – Olha, se chegar em quatro ou cinco anos, estará ótimo. O que eu quero, mesmo, é chegar lá preparado para dar conta do serviço. Tem que chegar muito bem preparado, para chegar e ficar. Tudo depende de resultado, então não adianta eu dizer para você que, por exemplo, vou fazer tantos anos de F-3, tantos anos de GP2 e entrar na F-1.
Cockpit – Por falar em Fórmula 3, esse é o próximo passo. Contrato já assinado com a DoubleR?
FN – Veja bem, é algo que está para ser anunciado (a entrevista foi feita na tarde de 22 de dezembro). Mas vou, sim, correr na F-3 inglesa, com eles. Também tenho a opção de correr no Campeonato Europeu. Eu falei que queria a F-3, em qualquer campeonato, e o Britânico, para o meu aprendizado, vai ser muito bom, porque serão 30 corridas e mais 10 treinos coletivos. Muita gente diz que eu tenho muita experiência e acha que eu deveria ir para o Europeu, mas eu só fiz um ano de automobilismo.
Cockpit – Tudo indica que seu acordo com a equipe do David e do Steve Robertson faça parte de um projeto a longo prazo, é isso?
FN – Veja bem, além de manterem a equipe eles são gerenciadores de carreira. São pai e filho, e cuidam da carreira do Kimi Raikkonen. Eles pegaram o Kimi com 19 anos e levaram o Kimi à Fórmula 1. São profissionais que projetam a sua carreira, eles vão me levar a Fórmula 1. Como estão sempre com o Kimi, nos GPs de F-1, eles assistiam às minhas corridas de F-BMW e, logo depois de Silverstone, vieram falar comigo.
Cockpit – Então, Nicolas Todt não tem mais chance com você.
FN – Por enquanto, estou com David e Steve. No futuro, nunca se sabe.
Cockpit – Quem é seu ídolo no esporte?
FN – Ah, o número 1, o Ayrton.
Cockpit – Acho que o pai da sua namorada vai ler essa entrevista...
FN – (risos) É, eu evito falar quando estou perto do “sogro”. Mas o Nelson é outro sujeito que eu considero muito, inclusive como piloto, pelas tantas coisas que ele desenvolveu e tudo mais que ele fez na F-1. Enquanto ele estava na F-1 com o Nelsinho, a gente se encontrava muito, tinha muito contato, ele sempre vinha perguntar sobre o carro, sobre as coisas das minhas corridas. Agora, a gente conversa na casa da Júlia, temos uma amizade normal, que não depende de automobilismo. Ele me aconselha, fala, mas é um relacionamento normal.
Cockpit – O know-how do Samir e do Amir proporcionaram a você um aprendizado diferente do vivido pelos outros pilotos da sua geração?
FN – Com certeza, eu aprendi muita coisa com meu pai e meu tio. Por causa do trabalho deles, estive nesse meio desde pequeno. Mesmo só assistindo às corridas, eu via o que era errado, o que era certo, via o que acontecia, via porque acabava a carreira do cara, porque dava errado. Por causa disso, antes mesmo de começar no kart, eu já sabia muita coisa do meio do automobilismo. Isso abreviou muita coisa para mim.
Cockpit – Felipe Nasr é diferente dos demais pilotos em quê?
FN – É uma combinação de coisas, acho. Simplicidade, humildade, bastante humildade. Sou muito determinado, estou aí para cumprir meus objetivos. Quando vou para um desafio, vou para ganhar, não estou lá para ser segundo ou terceiro. As pessoas podem falar sobre mim melhor que eu.
Dois momentos de Felipe Nasr na F-BMW: liderando uma etapa do Campeonato Europeu em Monza e na disputa extra-campeonato que dominou em Cingapura
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