sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Meu jubileu de porcelana

Faz 20 anos, hoje, que virei jornalista. Não ia escrever sobre, já disse nesse texto de dois anos atrás quase tudo que tinha a dizer, mas números redondos exigem alguma manifestação, motivo pelo qual pretendo também fazer um registro para a posteridade quando completar 100 anos, quando narrar minha milésima corrida, quando nascer meu décimo filho. O aniversário e as corridas são metas fáceis.

Foi no dia 3 de fevereiro de 1992 que comecei minha vida nesse meio de escribas, filmadores, faladores e retratistas. E sem falsa modéstia, já que reconhecidamente não tenho nenhuma, ser um deles é sensacional, já descontados os contras do ofício, e são muitos.

Nos dias de hoje, mais falo que escrevo. Foi uma trajetória bem doida, e comigo não poderia ser diferente, a que me levou a microfones de pistas de corridas e emissoras de televisão. Gosto de narrar corridas, é única modalidade do esporte sobre a qual penso entender um pouquinho, as pessoas parecem ter paciência para me ouvir fazendo isso e, tudo indica, assim devo continuar por mais algum tempo.

Narração de corridas, talvez seja esse o assunto, nas limitações do meu mundinho, para o vigésimo aniversário de profissão. Nem de longe pensava, quando moleque, em fazer isso, embora já fosse um taradinho por automobilismo, bem mais que agora, o que penso ter sido uma evolução minha. A primeira narração a gente nunca esquece, e eu já tinha prometido jamais usar de novo esse trocadilho tosco.

Enfim, a primeira corrida que narrei, que conste dos alfarrábios, foi a penúltima etapa do Campeonato Paranaense de Fórmula A de 1994. Lá corria o Milton Serralheiro, tenho falado bastante dele ultimamente. Ele ganhou a corrida, manteve a chance de ser bicampeão – acabou vice, pela quarta vez em cinco temporadas – e tinha levado a Londrina o “Leitoa”, Amarildo Aragon, para filmá-la com uma Panasonic M8. De volta a Cascavel, o Paulo Rogério, que disparado é um dos melhores radialistas do Brasil, fez uma gambiarra nos equipamentos que o Milton tinha em casa pra gente poder gravar a narração. Naquele emaranhado de fios e cabos, o conteúdo do VHS era copiado para uma fita virgem em outro aparelho ao mesmo tempo em que eu narrava, assistindo à corrida pelo visor da filmadora, de não mais que 3 cm. Eu via a corrida em preto e branco num visor do tamanho de uma moeda. Não queria ter narrado, mas o Milton não quis saber. Vimos aquele material, filmagem amadora e narração idem, um zilhão de vezes.

Narração de corridas. Setembro de 1996, reinauguração do autódromo de Curitiba, corrida de Stock Car que o Paulão Gomes ganhou, e na frente do pódio eu derrubei o fotógrafo da Gazeta do Povo quando pulei para apanhar o surrado boné da Pirelli que ele jogou para a torcida, tenho até hoje. O fotógrafo me mandou à merda, sugeri que ele fosse também, ninguém foi. Momentos antes eu tinha conhecido o Galvão Bueno, que me deu uns dois ou três minutos de atenção. Estava lá, o Galvão, na ilustre condição de pai de piloto. O Luiz Carlos Largo, parceiro das peladas e dos jantares das quartas-feiras num dos clubes daqui, narrava a Stock Car para a Band. Cruzei com ele momentos antes da largada, convidou-nos, eu e minha namorada – faz 14 anos que não a vejo –, para acompanhar a corrida lá do segundo ou terceiro andar da torre, onde estava montada a parafernália da tevê. Não vi a largada, a menina teve um chilique, desmaiou, encasquetou que estava grávida, perdi umas cinco ou seis voltas com os praxes do ambulatório. Não conseguir voltar à cabine do Largo, o cara da organização não permitiu. Hoje narro corridas ao vivo para a tevê naquele mesmo espaço, e se lá aparecesse o cara, que sumiu do automobilismo, seria bem-vindo. Coisas bobas que se acumulam durante a vida que vez ou outra a gente acaba lembrando.

Narração de corridas. Foi obra do mais absoluto acaso minha entrada no Porsche GT3 Cup, um dos campeonatos que acompanho, mês que vem vamos a Portugal para as duas primeiras etapas da temporada. Abertura do campeonato de 2009, na preliminar do WTCC, eu lá estava como locutor de arena, e em meio à mais absoluta correria aparece um sujeito aparentando não mais que 40 anos, apresentando-se a mim com cortesia. Era o Dener Pires, o cara que trouxe a categoria para o Brasil. Eu lia sobre o Dener desde antes de comprar aparelhos de barbear, imaginava-o um septuagenário carrancudo. A gente imagina coisas erradas. Havia ficado sem narrador, pediu-me autorização para gravar minha locução de arena e jogar sobre as imagens. Negativo. Se é para fazer, vamos fazer bem feito, e avisei a Juli que só voltaria pra casa no dia seguinte e lá fiquei, em Curitiba, para gravar as duas corridas com o próprio Dener e o Max Wilson como comentaristas. O próprio Dener, hoje um dos meus patrões e a quem deixo os votos de saúde para o caso de espirrar, reconheceu, naquele fim de tarde, que não havia usado de muita lógica com a ideia que me propôs. É um puta sujeito.

Narração de corridas. Vou à falência, não importa quão rico possa ficar, no dia em que resolver mandar uma garrafa de vinho ou um litro de uísque a cada amigo que deu um empurrão nisso que começa a se desenhar como uma carreira. O Milton foi o primeiro, e depois dele, sem qualquer pretensão cronológica ou hierárquica, o Rubens Gatti, o Pedro Litron, o Juraci Massoni, a Miriam Ávila, o Jorjão Guirado (a esse, além dos alfajores, eu devo um rochedo, e não uma pedra), o Gerson Marques, o João Campos, o Alan Magalhães, o Kaká Ambrósio e a Cris Thurm, o Toninho de Souza e o Pedro Rodrigo, o Clóvis Grelak (arredio à ideia no início), o Eduardo Homem de Mello, o Milton Alves (talvez nem ele saiba), o Dener, o Sérgio Lago, o pai do Daniel Lancaster (não tenho contato com o piloto e meu convívio com o pai dele, cujo nome não sei, resumiu-se a meio minuto ao pé de uma escada, nunca vou esquecer), o Rodrigo Saravalli, o Vanuê Faria (bendito gringo que atravessou o meu caminho e o dele ao mesmo tempo...), o Thomaz Figueiredo, o Pedro Queirolo, o Betto D’Elboux, o Régis Schuck, o Marcello Sant’Anna, e que me desculpem os que esqueci, seguramente omiti muita gente, e mais essa galera toda que acompanha meu trabalho, que me atura na TV e no Twitter, que faz o convívio com pistas e carros ser ainda mais agradável. A lista aí inclui também chefes ou ex-chefes, o que não é o motivo da citação; não fiz questão de lembrar quem me contratou para qualquer coisa, mas quem foi parceiro de verdade, e todos aí o foram.

Narração de corridas. Taí um presente de Deus que, tomo emprestado o bordão do Pedro Muffato, não mereço, mas agradeço. Por falar em bordão, preciso criar alguns para as transmissões. Sugestões?

4 comentários:

Alan Magalhães disse...

Parabéns Luc. Você é um exemplo de paixão pela profissão que não se vê mais hoje, quando um notebook e um site mequetrefe garantem uma credencial de jornalista e o direito de qualquer incauto vender assessoria de imprensa de box em box, sem nunca ter pisado numa redação ou arrancado um fechamento a fórceps. Ganhar dinheiro com o esporte não é pecado, é objetivo, mas são raros os exemplos de quem pensa antes em fazer um bom trabalho, sem necessariamente pensar apenas em ganhar dinheiro com ele. Como você sabe, as histórias de paixão pelo esporte que tive nesses 29 anos de profissão encheriam um livro e hoje simplesmente me vejo afastado desse meio infestado de hipocrisia e incompetência. Desculpe as palavras ácidas nesse momento de festa, mas é o que vi e vejo. Naquele dia que te contratei para narrar a Brascar em Cascavel e depois de ver seu trabalho, indicá-lo incondicionalmente ao Toninho de Souza, sabia que estava dando força e impulso a alguém que merecia, como fiz a dezenas de profissionais que até hoje militam no esporte. Parabéns mais uma vez, você merece. Estou esperando pela garrafa de whisky. Alan Magalhães.

PAULO ROGERIO disse...

VALEU LUC...PARABENS PELO TRABALHO...SÓ UM DETALHE : "MELHOR DO BRASIL" É MUITO...SÓ FAÇO RADIO COM AMOR..PAIXÃO MESMO ...ASSIM COMO VOCE EM SUAS NARRAÇÕES ...HEHE
UM FORTE ABRAÇO E MUITO MAIS SUCESSO !

Claudio Roscoe disse...

Parabéns Luc. Vintão merece essa narração mesmo. Abraço e mais sucesso!

Americo Teixeira Jr. disse...

Apesar de ter pouco mais de meio metro de altura, Luc Monteiro reúne competência, profissionalismo, ética e, sobretudo, paixão pelo que faz.

Como pessoa, tem alguns defeitos futebolísticos e políticos, óbvio, mas é desses amigos caros e raros.

Num mundo tão emporcalhado, ele preserva valores "antigos" e "fora de moda" como honra, cumprir compromissos assumidos e a palavra dada, além de ser um parceiro, parceiro mesmo!!!

É por essas e outras, não obstante usar dialetos cascavelenses nas nossas conversas (que eu preciso de tradução), é um Amigo dos melhores que fiz nesses meus 31 anos de carreira.

É isso.