segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Wheldon e nós
Minha primeira resolução à notícia da morte de Dan Wheldon foi de um egoísmo ridículo e, mais que isso, insignificante. Não vou escrever uma linha a respeito, foi o que prometi, a mim mesmo, em silêncio.
Óbvio, estou quebrando minha promessa. É doloroso ver – apreciar poderia ser um termo mais cabível aos midiáticos tempos de hoje – a morte de alguém que viveu do e para o esporte que mais aprecio, o das corridas de carros. Isso leva a reflexões, sobre o esporte e sobre a vida, mas tudo isso passa, a vida continua e as corridas, também, já disse isso meses atrás quando morreu Gustavo Sondermann.
Causou comoção, causa, um episódio como o que vitimou Wheldon. Bem mais que a realidade cotidiana varrida para baixo do tapete, de que um sem-número de crianças morrem todo dia aqui mesmo, por estas bandas, vítimas da fome, de maus tratos, da inexistência de políticas que lhes pudessem prover condições melhores de saúde.
Morreu Wheldon, um sujeito que se deu bem no ofício que escolheu. Mais novo que eu, tinha 33, já estou na fase de tratar como meninos ou moleques quaisquer sujeitos que estejam abaixo dos meus 34. Fiquei triste, de verdade. Uma tristeza de origem quase virtual. Wheldon não foi meu amigo, não foi meu ídolo direto, nunca tirei uma foto com ele, contra ele cheguei a torcer quando ganhou a Indy 500 pela primeira vez, porque em segundo estava Vitor Meira, esse sim um sujeito próximo, com quem tenho, tinha, contato direto, e a quem não trato como moleque por ser 45 dias mais velho.
Meu sentimento ruim talvez possa ser traduzido no que observou pertinentemente o Bruno Mantovani. “A insegurança ou irresponsabilidade de colocar 34 carros naquela pista não é nada quando penso nessa foto”, escreveu o designer, numa postagem em sua conta no Twitter acompanhado da imagem aí ao lado.
Morreu Wheldon, marido de Susie, pai de dois bebês, um de dois anos e outro de poucos meses. “Pode parecer piegas, mas estou abraçado ao meu filho desde a hora que soube da morte dele”, contou, mais à noite, um amigo do mundo da internet, cujo rosto desconheço, com quem nunca dividi uma refeição ou um happy hour. O mundo anda muito artificial, a ponto de eu tratar como amigo alguém que nunca vi mais gordo.
Foi no mundo virtual que constatei, à noite, a chuva de manifestações de consternação. Grande parte de pessoas que Wheldon sequer sonhava que existem – isso é fruto do fascínio implícito no automobilismo, um fascínio que faz emergir a falsa impressão de que Wheldon, por pilotar carros de corrida, era dos meus, eu que eventualmente ponho a bunda em karts de aluguel e nada mais que isso.
Uma aproximação muito diferente da de gente como Kanaan, Franchitti, Meira, Dixon, Castroneves, Papis, gente que viveu e conviveu com Wheldon, que com ele se relacionou, riu, discutiu, comemorou.
A imagem do acidente, em que estiveram envolvidos 15 pilotos, impressiona. Choca. Entristece. Pelo homem que se foi, o rapaz que casualmente alcançou sucesso na profissão.
No momento da corrida eu estava na casa do Ronaldo, amigo de longa data. Que não tem perfil no Twitter, com quem converso na casa dele, na minha, à mesa do bar. Veria o VT da corrida momentos depois, a TV não a mostrou ao vivo, mas o enredo dramático me foi antecipado por mensagens de texto no celular. Por obra e graça do mundo virtual, as pessoas sabiam que eu não estava acompanhando a corrida.
Passamos, Ronaldo, eu e as esposas, a aguardar o VT da tragédia anunciada. “Ele era bonito”, foi a reação comum de Tati e Juli diante das imagens preparadas pela Rede Bandeirantes para ilustrar a cobertura do que havia acontecido.
É isso. Para elas, alheias ao mundo das corridas, a notícia da noite de domingo foi a de que morreu um rapaz bonito, Wheldon fazia de fato o tipo galã, tinha feição para isso. A mim, apesar de ter uma atenção especial ao ambiente das corridas, restou o já manifestado pesar pela partida do jovem, do pai de família, do bom profissional. Dan Wheldon e todos os que com ele dividiram espaços em pistas de corridas souberam, sempre, do risco que seu esporte oferece. Sobretudo os velocíssimos ovais da Fórmula Indy. Um risco só trazido aos debates quando acabam de fato custando a vida de um piloto ou de um espectador.
O automobilismo é perigoso e mata, desde sempre. Uma realidade amarga, à qual pilotos como os meninos que rompem os limites do bom senso em campeonatos como a Copa Montana, do Brasil, deveriam se fiar com maior assiduidade. Não adianta só chorar quando vai-se um piloto. Algumas mortes podem ser evitadas.
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5 comentários:
impossível não escrever, acho que isso ajuda cada um de nós que trabalhamos nessa área a entender, a digerir...
P-H-O-D-A!
Disse tudo
Belo texto. De verdade.
Que lindo e bem elaborado texto, parabéns pelas sábias e bem colocas palavras.
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