A Rede Globo não está errada quando tenta forjar ídolos nos eventos que promove. Uma tentativa, talvez involuntária, de resgatar uma marca da era romântica do automobilismo brasileiro, a dos anos 60, 70, até 80. Plenamente compreensível que empreenda ações nesse sentido na Stock Car, uma categoria que ajudou a tirar do fundo poço.
Mas o automobilismo brasileiro não comporta, nos dias de hoje, coisas do gênero. Não temos um culto aos pilotos das nossas categorias, como têm os estadunidenses com relação aos destaques da Nascar, ou como têm os argentinos perante os principais nomes da Top Race V6 ou da TC2000.
Saia do nosso mundo e pergunte a uma pessoa normal, que não respira automobilismo, se sabe quem é Ricardo Maurício, Felipe Maluhy ou Valdeno Brito. Fatalmente, seu interlocutor fará de quem diz “esse cara deve ser maluco”. E não deverá ser condenado por isso. Pilotos de Stock Car ou de qualquer outra categoria do automobilismo são isso mesmo, pilotos de uma competição, e uma parte considerável deles encara trabalho de gente normal na segunda-feira depois da corrida.
As tentativas da Globo esbarram no fato, por muitos atribuídos a uma coincidência, de maioria das ações de promoção serem direcionadas a Cacá Bueno. Que, no ambiente da Stock Car, é um dos melhores pilotos em atividade, condição que concilia com a e de filho do principal narrador da emissora.
O próprio Cacá já manifestou, em algumas ocasiões, que sente-se incomodado por ser visto como o filho do Galvão. “Sou Bueno, sim, mas sou o Cacá”, incluiu no texto de um comercial que estrelou para a patrocinadora principal da categoria. Cacá acaba absorvendo parte da antipatia que parte do público brasileiro nutre pelo pai narrador, que, como se diz no jornalismo, “carrega nas tintas” em todos os sentidos. É possível que Galvão, por mais autonomia que tenha, também sinta-se incomodado com os padrões da Globo, que privilegia a torcida e o ufanismo em detrimento da informação. Imparcialidade não dá ibope, devem imaginar os globais.
Cabe nota que eu, mesmo, fui vítima de uma pontual ineficácia da posição que defendo. Domingo passado, em São Paulo, depois do GP do Brasil, acompanhei os amigos Pedro Rodrigo e Natália a uma rodada de bom rango no Burdog. O assunto à mesa era justamente esse, o fomento de ídolos no automobilismo. Disse ao Pedro que isso era uma furada e tentei provar: chamei o garçom e perguntei-lhe se sabia quem é Cacá Bueno. “Não é o filho do narrador da televisão?”, respondeu. Sim, o próprio, mas o senhor sabe o que ele, Cacá, faz da vida? “Hmmm... Ele é corredor, não é?”.
Ok, o garçom sabia quem era Cacá Bueno. Mas asseguro que não o teria reconhecido se lhe tivesse servido um daqueles cachorros-quentes de meio metro. Talvez seja esse o objetivo da Globo. Fazer com que Cacá – e alguns outros, se houver espaço para mais – seja reconhecido pelo garçom quando não estiver de macacão.
Vejo como saudável aos planos globais uma pesquisa sobre a cultura de ídolos em países como os EUA e a Argentina. Ianques e hermanos são como são, como nós brasileiros somos o que e como somos. A Globo não muda essa regra, mas pode aprender coisas boas com elas.
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